Conversa Sobre as Crianças Mais Velhas no Jardim de Infância*
O que podemos fazer com as crianças de 6 anos no jardim?
Queremos entender o que a criança de 6 anos necessita nessa idade.
No mundo todo muitas pessoas querem tirar essas crianças de 6 anos do jardim e levá-las para a escola.
O professor da escola quer segurar essa criança no jardim por intuição, mas ele tem que saber por que deve deixá-la mais tempo no jardim.
O que fazer com elas?
Antes de tudo, deve-se conhecer as fases de seu desenvolvimento antes de ir para a escola.
A criança de 6 anos já não tem tanta fantasia.
“É saudável tirar essas crianças da sala para fazer outras atividades quando a sala é de crianças de várias idades?” Para algumas atividades sim, mas é interessante os pequenos verem os maiores fazendo aquarela e saberem que no futuro eles também poderão fazê-la. O menor deve aprender que nem tudo que ele vê pode fazer e os maiores poderão mostrar seus trabalhos para os pequenos sentindo-se orgulhosos com seu feito.
Se nós entendemos as crianças dessa idade nós não nos aborrecemos tanto com seu jeito de ser e trabalhamos melhor. Conhecer as fases pelas quais as crianças passam ajuda a entendê-la. Toda criança passa pela fase da birra por volta dos dois anos e meio; pela crise do “não” por volta dos quatro e pela “queda do paraíso, pequeno ‘rubicão’” por volta dos seis.
O que acontece por volta dos cinco anos e nove meses? Os pais nos falam que de um dia para o outro sua criança não quer mais ir para o jardim. O que será que a professora fez? Os pais perguntam.
A criança nessa idade faz um “show”, não quer brincar e os pais acham que é porque ela já quer ir para o ensino fundamental porque no jardim está monótono, que ela não está aprendendo nada... Nesse pequeno rubicão o mundo que até agora lhe pareceu colorido agora se torna seco, nu, e a criança se pergunta: “como me relacionar agora com esse mundo?”. Ela se sente como que passando pelo buraco de uma agulha.
Neste pequeno rubicão a criança está intuindo a crise que virá lá na frente aos 9 anos. Ficam com medo de dormirem sozinhas, acordam os pais à noite, falam sobre a morte pois estão perdendo o paraíso e isso dá um sentimento de tristeza. Elas não são capazes de pensar. Tudo é sentimento. Elas têm medo do que irá acontecer se os pais morrerem. As crianças querem ouvir que os pais estarão lá a vida toda e os pais devem responder que sim. Isso não é uma mentira, é uma necessidade; depois de três meses passa.
A criança nos pergunta o tempo todo: o que faço agora? E é preciso que lhe demos algo para fazer porque sua fantasia já se afastou. Nós devemos ajudá-la a preencher esse espaço vazio que ficou. Mas só ela pode passar pelo buraco da agulha. Temos que dar a oportunidade de ela entrar nesse lugar escuro, vazio; não somos nós que vamos preencher esse vazio. É muito importante que a criança aprenda por si a preencher esse vazio porque assim, quando adulta, saberá sair do “buraco” sozinha quando cair nele de novo.
O que temos que aprender é deixar a criança sozinha com ela mesma nesse sofrimento dos seis anos. Isso a fortalece.
Tem crianças de 6 anos que não tem a coragem de se engajar em atividades. São destruidoras, machucam os outros, correm desenfreadamente, não querem trabalhar. O que fazer? Não podemos deixá-las assim porque elas não estão conectadas em seu corpo. Como fazê-las conectarem-se com seus corpos, entrar em si mesmas? Não ajuda dar-lhes trabalhos finos, tricô de dedo, tecelagem, por exemplo, quando elas estão nos movimentos caóticos. O importante é estudar e compreender a razão de dar tal atividade. Elas devem primeiro trabalhar com movimentos grandes para poder organizar primeiro seus corpos. Dar atividades em que as grandes articulações são usadas, como ombros e quadril; carregar galhos, empilhar madeiras grandes, construir cabanas com grandes panos, rastelar o quintal, colher folhas. Bater corda é para elas uma atividade ótima onde a articulação do ombro trabalha e ajuda a coordenar o movimento do braço. Dobrar panos grandes concentra mais do que fazer alinhavo (atividade fina). Dobrar panos com o colega cantando, sacudindo, trabalha atenção, movimento e ritmo.
Os movimentos cruzados de membros superiores e inferiores são feitos enquanto andam ou sobem em árvores. Crianças precisam andar muito para gastar energia e adentrar em seus corpos. Só se sentindo dentro deles é que poderão sentir os outros e respeitá-los. Andar cantando, num ritmo de braços e pernas. Fazer pão com muita massa, em pé, com movimentos grandes de braços, cantando em ritmo com os movimentos de braços e mãos. Lavar roupa na tábua de esfregar com movimentos grandes. Serrar madeira com serrote, limpar o jardim, rastelando, cavando, juntando folhas, sempre com movimentos amplos. As forças do querer, da vontade, do agir, acordam sua capacidade de pensar e esse pensar, mais tarde, é que vai controlar o corpo.
Quando percebemos nosso jardim de infância como nossa casa sempre terá coisas para fazer, para cuidar; serviço é que não falta. As crianças grandes querem nos ajudar sempre. Basta fazermos diante delas os serviços que logo ela irá nos imitar porque vê sentido nessas ações cotidianas. Essas crianças se interessam por trabalhos que tem sentido. Elas não querem mais brincar, mas querem trabalhar. Fazer atividades finas ainda não é necessário nessa idade. Uma boa ‘pega’ de lápis vai ocorrer se a criança tiver feito primeiro movimentos amplos. A criança que está madura dissocia suas cinturas (escapular e pélvica); o tórax se expande e a criança pode caminhar por mais tempo pois o arco do pé ficou pronto para usar como alavanca no andar.
Thomas:
Para as crianças de 4 anos que não querem fazer nada nem ajudar devemos usar imagens, pois estas atuam na fantasia delas. Por exemplo: para arrumar as cadeiras dizemos: “por favor, você pode levar esse carro para sua garagem?” Quando sabemos a profissão dos pais usamos imagens que tem a ver com eles e a criança percebe e quer fazer como os pais. Outro exemplo: tive uma criança filha de pedreiro e eu dizia ao pedir para guardar os brinquedos: “você pode levar esse saco de cimento para a obra, por favor?” “Você pode levar esse bebê para o Hospital”, caso o pai fosse médico.
Professor homem, jardineiro, gasta muito mais vitalidade que a mulher porque não tem tanto quanto ela. Por isso necessita, quando sai e quando chega em casa, fazer euritmia, música, para repor energia vital.
Com 5-6 anos as imagens no jardim já não funcionam tanto.
O cérebro dos meninos é diferente dos das meninas. Coloco uma cadeira de pernas para cima, enfio nela uns cabos de vassoura, coloco neles uma corda e deixo no meio da sala. Os meninos quando chegam e vêem aquilo logo inventam o que fazer.
Tenho panos de 8 metros dobrados no meu armário e quando eles não sabem o que fazer os convido a pegarem os panos longos e aí eles se animam para brincar.
Usamos nosso corpo físico e etérico no trabalho com crianças, mas não podemos usar nosso corpo astral chantageando ou se aborrecendo diante das crianças. Do nosso corpo astral podemos usar nossa alegria.
Nosso Eu usamos quando falamos diretamente o que queremos: “Agora pegue essa cadeira e a coloque no seu lugar”. E saímos de perto para fazer algo com sentido. A criança pode não fazer imediatamente o que foi pedido. Podemos deixá-la fazer no tempo dela. Se ela não o fizer perguntamos: “você vai guardar a cadeira sozinha ou quer que eu a ajude?” (sem raiva). E pego na sua mão ou no seu braço e juntos guardamos a cadeira. A criança precisa perceber que quem dá as ordens somos nós adultos. Fazemos acordos diários: “quem vai apagar a vela hoje?”; “quem vai me ajudar hoje?”, “quem vai levar tal coisa hoje?”.
A criança de 6 anos, uma vez pronto o corpo, usa a cabeça, mas seus movimentos ainda são descontrolados. Quer carregar coisas grandes e pesadas porque suas forças necessitam serem usadas. Querem experimentar tudo o que acham que são capazes: subir em lugares altos, pular do alto, carregar troncos, cadeiras, caixotes.
Vive na polaridade: querem ser o rei, o servente, o diabo e o anjo, até encontrarem seu centro, seu eixo. Portanto, devemos proporcionar oportunidades para que vivenciem essas experiências.
Quando as crianças de 6 anos atrapalham na roda ou nas outras atividades é porque querem ser percebidas, querem ser vistas, notadas. Coloco a criança no meio da roda e digo que ela é o coração do sol. Ela, assim, se sente o máximo; se sente aquecida pelo calor do coração no meio do sol. Podemos também deixá-los falar o verso sozinho para se sentirem importantes, com responsabilidade e nos mostrar aquilo de que são capazes.
Nas festas do jardim pedimos ajuda às crianças maiores que já vivenciaram essas festas noutros anos. Fazê-los lembrar de como foi no ano passado e como faremos agora faz com que se sintam importantes e valorizados.
Uma atividade para se fazer com os grandes a fim de que eles se concentrem por um espaço de tempo é o desenho móvel. Pedimos para que desenhem numa folha grossa e depois vamos colocando elementos que possam ser movidos por uma fenda feita com estilete no papel. Não fazemos recortes detalhados, muito precisos. Se a figura é pequena como um pássaro, o recortamos num círculo. Somente o professor pode usar o estilete e a tesoura.
Essa atividade começa e acaba no mesmo dia. Os pequenos podem ter a ajuda dos maiores que por sua vez tem a ajuda do professor. Desenho móvel é muito melhor do que atividade fina nessa idade porque trabalha com imagens.
*Esse texto foi retirado das anotações feitas por Pilar Tetilla Manzano Borba por ocasião do I Congresso Internacional de Educação Infantil, realizado na Escola Rudolf Steiner em julho de 2010, por professores de educação infantil: Clara Aerts, Bélgica e Thomas, Inglaterra. Devido a serem traduzidos simultaneamente, é passível de erros de tradução.
Pilar Tetilla Manzano Borba
Terapeuta Ocupacional, Pedagoga Waldorf
Pós-graduada em Antroposofia na Saúde pela UNISO
Professora no curso de fundamentação em pedagogia Waldorf
Orienta berçários, creches, maternais e jardins de infância
E-mail: pilarborba@gmail.com

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