Crianças e Aparelhos Eletrônicos
Para sermos indivíduos equilibrados na nossa propriedade de humanos precisamos usar os três cérebros harmonicamente. Os aparelhos eletrônicos roubam da criança a oportunidade de usarem seu cérebro sensório motor, pois nesses aparelhos não há cheiro (como fica o desenvolvimento do sentido do olfato?) Sabe-se que o sentido do olfato tem a ver com a memória afetiva e com o refinamento (por que se cheira o vinho?); no Nordeste ao invés de beijo as pessoas dão um cheirinho…
Nos aparelhos eletrônicos as imagens são bidimensionais, portanto, o olho (o sentido da visão) não trabalha na tridimensionalidade. Para enxergarmos corretamente em três dimensões usamos 3 pares de músculos oculares: um par para o olho percorrer a linha horizontal, um par para percorrer a linha vertical e um par para percorrer a profundidade (distância). Nos aparelhos eletrônicos o olho só faz o movimento de cima para baixo e da esquerda para a direita, já que os aparelhos estão pertos e parados. O par de músculos para a profundidade (perto-longe) acaba não sendo usado. Esta pode ser uma das causas da miopia em crianças: encurtamento de músculos que não foram usados (vide texto: A fisiologia infantil e seus problemas na sociedade competitiva de Herbert Hensel).
O sentido do tato, tão importante para a criança sentir seu limite corporal e posteriormente reconhecer o limite do outro, fica prejudicado, uma vez que com os aparelhos eletrônicos ela permanece muito tempo parada e seu corpo não toca em nada. Apenas sua mão, ou melhor, as pontas de seus dedos é que tocam as teclas ou telas. Essas crianças que não tiveram o sentido do tato bem explorado e integrado vão ter uma série de problemas escolares (esquema corporal, equilíbrio e lateralidade) e de socialização. A violência aumenta na proporção em que se antecipa o uso da mídia no ambiente da criança pequena (Vide Mídia e Violência de Heinz Buddmeier).
Para se fazer um trabalho de ler ou escrever, ou que exige habilidade fina (coordenação motora fina) e atenção é preciso ter bem desenvolvido o sentido do equilíbrio. Uma criança exposta muito cedo aos aparelhos eletrônicos não desenvolve bem o equilíbrio físico, tão exigido nessas atividades de maior precisão. Este sentido é desenvolvido enquanto a criança rola, arrasta, vira cambalhota, gira, corre, balança, pula, salta, escala etc. Diante de um aparelho eletrônico, seu corpo pouco se movimenta.
Esses aparelhos/brinquedos eletrônicos possuem sons que não são naturais como a voz humana, o pio do pássaro, o farfalhar das folhas, o borbulhar da água, o som de uma madeira batendo noutra etc. A criança que é educada através de “ruídos” sonoros tem seu sentido da audição prejudicado e consequentemente não desenvolve a fala normal. Repare nessas crianças que assistem aos desenhos da televisão, como elas falam mecanicamente. Os consultórios de fonoaudiologia estão repletos de crianças pequenas que não falam direito. Se para falar temos que ouvir a voz humana para formar os órgãos da fala, se não a ouvimos como conseguiremos reproduzir e articular os fonemas? Onde está o exemplo humano uma vez que na infância a criança é pura imitação?
Quanto à parte motora da criança, é o cérebro básico que é o responsável pelo desenvolvimento da coordenação motora grossa, ampla, seu equilíbrio dinâmico e estático; enquanto que o cérebro mediano é responsável por integrar os gestos anímicos (afetividade, fuga, carinho, desprezo, cuidado, aconchego etc.). No cérebro superior, no neocórtex, se encontra o centro responsável pelos movimentos finos, delicados, complexos, mais elaborados. A questão de a criança usar as pontas dos dedos para acionar esses aparelhos é coisa para se pensar. Quando usamos ponta de dedos, principalmente indicador, usamos a parte superior do cérebro (a neocórtex). Quando usamos ombro, cotovelo, antebraço e punho, estamos usando a parte básica do cérebro. Então, o que ocorre na criança é igual ao que ocorre na construção de uma casa: podemos colocar o telhado antes das paredes e do alicerce serem feitos? Fica aqui essa interrogação. Até podemos colocar telhado em paredes erguidas sem alicerce, mas a casa cai.
O que acontecerá com essas crianças que não passaram pelos estágios de desenvolvimento concreto (sensório motor), emocional (através do outro) antes de chegarem ao desenvolvimento abstrato (virtual)? Hoje está todo mundo conectado virtualmente, mas como está o contato humano, calórico, verdadeiro? Essa é a pergunta que devemos fazer quando se introduz aparelhos eletrônicos e a mídia muito cedo no ambiente infantil. É na infância que se desenvolve o sentido social, a percepção do outro, o carinho, o cuidado e o respeito pelo próximo. É por isso que vem aumentando a violência, como consequência da falta de perceber o outro, falta de empatia, de dar espaço para o outro, de conviver com a diversidade.
No livro “O Fim da Evolução”, de Joseph C. Pearce, página 170, está escrito que “a falta de capacidade de formar imagens interiores (e isso a criança faz quando lhe contamos contos de fadas e quando a deixamos brincar livremente tendo como base a imitação do que observou) deixa sem uso a maior parte do cérebro. […] As crianças que têm pouca imaginação são mais propensas à violência que as crianças imaginativas”. Os capítulos 11, 12 e 13 falam sobre a questão do Vínculo (adulto de referência); os capítulos 18 e 19 falam do brincar e das consequências referentes ao fim das brincadeiras. No livro A Pedagogia Waldorf de Rudolf Lanz, tem um capítulo de Valdemar Setzer sobre os riscos dos jogos eletrônicos na idade infantil e juvenil.
Na minha especialidade como terapeuta ocupacional, que versa sobre o desenvolvimento neuropsicomotor da criança, devo dizer que o cérebro é formado (as conexões nervosas, chamadas sinapses, são feitas) através do movimento e da diversidade e riqueza dos estímulos sensoriais. Quanto mais estímulos naturais e diversificados a criança receber, mais conexões nervosas (sinapses) serão feitas, e é nessa rede de células nervosas que o conhecimento irá encontrar respaldo, será gravado. Assim é o que ocorre na formação da inteligência: quanto mais registros a criança tiver feito na infância, mais sinapses, aumentando assim sua capacidade de entender no futuro os ensinamentos acadêmicos. Com a ressalva que na infância tudo é registrado sem consciência alguma (ou juízo de valor) por parte da criança. A consciência do que fazer ou não fazer está no adulto que a cuida.
As questões que se colocam aqui são:
– Para que a criança se desenvolva harmoniosamente nos âmbitos físico, emocional e mental, que estímulos lhe estão sendo fornecidos através desses aparelhos eletrônicos?
– Que possibilidades ela tem de se movimentar da maneira como seu corpo necessita e exige que se movimente?
– Que tipo de exemplos saudáveis e vínculos humanos estão se formando na criança?
– Que imagens estão sendo registradas em seu cérebro que ela irá repetir mais tarde já que na infância tudo que entra pelos órgãos dos sentidos é registrado sem nenhum filtro ou censura?
– Em que medida esses aparelhos eletrônicos estão influenciando a saúde física, emocional e mental dessas crianças?
Pilar Tetilla Manzano Borba
Terapeuta Ocupacional, Pedagoga Waldorf
Pós-graduada em Antroposofia na Saúde pela UNISO
Professora no curso de fundamentação em pedagogia Waldorf
Orienta berçários, creches, maternais e jardins de infância
E-mail: pilarborba@gmail.com

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