Mídia e Infância

A criança aprende sobre ela e o mundo através do movimento do seu corpo e do que seus órgãos dos sentidos sentem, percebem e absorvem. O movimento e os estímulos que os órgãos dos sentidos recebem é que irão trazer para a criança as percepções todas de si e do mundo circundante, que mais tarde se transformarão em cognição, isto é, em conhecimento.

Nos três primeiros anos a criança, quando livre em seus movimentos, não para quieta, pois é nesse período que o cérebro está sendo formado. Suas sinapses só serão formadas se a criança se movimentar, tocar, enxergar, cheirar, ouvir e degustar tudo que encontrar no ambiente em que vive.

Os aparelhos eletrônicos não emitem a voz humana real para que a criança forme seus órgãos fonoarticulatórios para aprender a falar como um ser humano (vide a fala dessas crianças que assistem muitos desenhos e programas infantis através das mídias: possuem dificuldades na fala e podem apresentar uma fala aos soquinhos e num timbre que não é normal).

Os aparelhos eletrônicos não emitem cheiros de flor, grama úmida, terra molhada, madeira sendo serrada, bolo assado, suco de carambola etc. O sentido do olfato fica sem ser estimulado por cheiros naturais e mais tarde esse indivíduo pode vir a ter dificuldades em discriminar uma coisa da outra.

Os aparelhos eletrônicos não permite que o sentido do tato perceba as texturas, as temperaturas, as formas, o volume, peso, posição etc. O sentido do tato quando bem explorado e alimentado na infância permite que na idade adulta o indivíduo tenha o tato social, o saber lidar com as diversidades.

Os aparelhos eletrônicos não permitem que os músculos oculares sigam no espaço as direções vertical (em cima/embaixo), horizontal (direita/esquerda) e da profundidade (perto/longe) em toda sua amplitude, prejudicando assim o sentido da visão que é desenvolvido nos quatro primeiros anos da criança. A criança precisa seguir com os olhos os objetos em movimento (talvez seja por isso que ela gosta de atirar bolas e objetos ao longe). Do contrário os músculos oculares se encurtam podendo levar à miopia. (1)

Os aparelhos eletrônicos não dão chance à criança, através dos movimentos corporais, de desenvolver e estabelecer seu equilíbrio, seu esquema corporal, sua lateralidade, e aprender as relações espaciais entre ela e o ambiente, prejudicando assim a aprendizagem da leitura e da escrita.

Os meios eletrônicos interferem no desenvolvimento das relações sociais porque é no convívio com adultos e com outras crianças, que ela aprende a observar, ajudar, compartilhar, respeitar, esperar, ouvir, calar, e mais uma infinidade de quesitos que nos tornam humanos como, por exemplo, a tão importante empatia. É no período da infância que a criança desenvolve o equilíbrio, a coordenação motora grossa e fina, a autonomia, a atenção, as habilidades; aprende a ter respeito pelas coisas e pelos outros; aprende a se conhecer e a conhecer seu entorno. Isso tudo só é possível num ambiente verdadeiro e não virtual onde ela possa vivenciar, experimentar, atuar, se expressar, se relacionar e compartilhar.

A época ideal para usar esses aparelhos midiáticos é quando a criança já desenvolveu sadiamente todos seus órgãos dos sentidos, quando seu corpo já se coordena bem, quando sua atenção e concentração já se desenvolveram, quando seu esquema corporal e sua orientação espacial já estão plenos e quando sua relação para com o outro é de respeito e empatia. Somente quando já vivenciou plenamente o mundo sensorial concretamente e desenvolveu autonomia em seus cuidados primordiais como vestuário, alimentação e higiene, é que poderá entrar para o mundo virtual. A criança aprende com ela mesma, com o entorno e com os outros. Na adolescência ela já vivenciou e incorporou o mundo real, então já poderá lidar com o mundo virtual sem prejuízo para a sua formação, pois se espera que já tenha tido um desenvolvimento VERDADEIRAMENTE HUMANO.

Conclusão: para ser realmente humano tem-se que vivenciar o que realmente é humano e natural nos primeiros anos de vida (levando em conta que nos tornamos adultos aos 21 anos), assim, pode-se lidar com o virtual sem perder suas características humanas. Quando os aparelhos eletrônicos tomam o lugar do ser humano na fase de sua educação para a vida, podem se criar seres agressivos (2), desumanos, insensíveis, calculistas, estressados, apressados, impacientes e ansiosos. É só notar como os jovens estão hoje. É isso que queremos para nossos filhos? Para o futuro da humanidade? Não podemos negar o que existe. As máquinas e mídias vieram para nos ajudar, mas não podemos deixar que elas tomem o lugar da relação entre os humanos. Só nos tornamos humanos porque aprendemos com humanos. Vide as crianças criadas com lobos.

(1) A Fisiologia Infantil e Seus Problemas na Sociedade Competitiva, Herbert Hensel, Universidade de Marburgo, Alemanha.
(2) Mídia e Violência, Heinz Buddemeier, Editora Antroposófica.

Pilar Tetilla Manzano Borba

Terapeuta Ocupacional, Pedagoga Waldorf
Pós-graduada em Antroposofia na Saúde pela UNISO
Professora no curso de fundamentação em pedagogia Waldorf
Orienta berçários, creches, maternais e jardins de infância
E-mail: pilarborba@gmail.com

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