Futebol

Embora num jogo de futebol movimentamos o corpo todo, a parte mais requisitada são os membros inferiores. Da cintura para baixo corresponde a nossa parte mais animal. Da cintura para cima a mais humana, a qual nos diferencia dos animais dito inferiores.

Uma criança que está aprendendo a se coordenar, se equilibrar, a usar seu corpo e a controlá-lo, quando a estimulamos a usar mais a parte inferior do corpo antes que ela possa dosar sua força, corre o risco de se tornar mais agressiva porque é nas pernas que temos mais força bruta.

Se observarmos o bebezinho notamos que ele começa a olhar as mãos, a pegar as coisas, a bater na gente e aí vamos lhe ensinando que bater dói e que carinho é gostoso. Vamos educando assim a criança para gestos mais humanos e delicados e aos poucos ela vai inibindo esses impulsos mais agressivos.

Já com as pernas, como educar para ser mais carinhosa? Quando a criança nos chuta procuramos alertá-la que chute dói, machuca. Já no futebol, falamos: mais forte, mais forte, para a bola chegar ao gol. E assim vamos estimulando-a a uma maior agressividade, maior animosidade.

Precisamos primeiro ajudá-la a desenvolver a capacidade de modular suas ações para não machucar o próximo e isso leva mais ou menos 12 anos (tem a ver com a maturidade do sistema nervoso central, com a capacidade de controlar e frear os impulsos).

Na minha infância conheci um dentista que usava um lenço cobrindo a parte inferior do rosto porque não a tinha devido a um chute que levou no queixo numa partida de futebol (naquela época não havia os recursos que se tem hoje de cirurgias plásticas etc.). Dá para imaginar a força do chute...

Eu, quando me formei em Terapia Ocupacional, fui trabalhar num centro de reabilitação onde todas as segundas feiras vinham os jogadores profissionais de futebol lesionados devido aos jogos do final de semana. Deparei-me assim, na prática, com o resultado de tamanha violência e brutalidade. Criança não precisa disso.

A criança está aprendendo sobre ela, sobre o mundo e sobre as pessoas. Necessita formar um corpo saudável e equilibrado. E também, como os membros superiores têm a ver com o ser realmente humano, com o fazer, o acolher, o criar, em vez de futebol poderíamos oferecer o jogo de bola com as mãos e deixemos o futebol para depois dos doze anos. Sei que isso é difícil para um país do futebol como é o nosso Brasil.

Para as crianças pequeninas daremos bolas de pano que podem ser atiradas com as mãos e assim ir coordenando os membros superiores. Para as maiores vamos ensinando a jogar com as mãos e antebraços virados em supinação (com a palma da mão para cima), que é o gesto que nos difere dos animais inferiores. E aos poucos ela terá desenvolvido a coordenação motora grossa, o equilíbrio e posteriormente as destrezas necessárias para uma atividade de coordenação fina como a pega de lápis correta, por exemplo. E quando na idade correta, poderá usar as pernas para o jogo de futebol, pois já terá aprendido a jogar sem agredir e sem violência.

 

Terapeuta Ocupacional, Pedagoga Waldorf
Pós-graduada em Antroposofia na Saúde pela UNISO
Professora no curso de fundamentação em pedagogia Waldorf
Orienta berçários, creches, maternais e jardins de infância
E-mail: pilarborba@gmail.com

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