O Valor do Brinquedo no Cultivo dos Sentidos

“Tudo que é artificial ilude os sentidos das crianças”

A criança percebe o mundo pelos seus órgãos sensoriais: Tato, Olfato, Gustação, Visão e Audição; pelo sentido do equilíbrio, do movimento, do calor etc.

O mundo entra na criança através dos órgãos dos sentidos. E isso se dá pelo contato com a natureza, pela vivência dos elementos: ar, água, terra e fogo; pelas brincadeiras do dia-a-dia e também pelos brinquedos.

Tanto o material de que é feito o brinquedo como suas formas, cores, proporção, volume, superfície, temperatura, peso, tudo colabora para a educação desses sentidos enquanto a criança brinca.

Enquanto a criança vivencia os quatro elementos, também adquire as noções de duro/mole, pesado/leve, quente/frio, alto/baixo, grande/pequeno, e assim vai se situando no mundo e fazendo uso do que o mundo lhe proporciona.

A atividade do brincar exige um esforço interior de expressão de si, denominado imaginação. Essa imaginação precisa ser alimentada, precisa ter ambiente adequado. Os brinquedos prontos não dão “asas” à imaginação.

 

A PERCEPÇÃO VISUAL

A criança observa atentamente o mundo animal, vegetal, mineral e humano com muita curiosidade.

O sentido da visão é constantemente atacado por cores fortes, berrantes, por gravuras agressivas, caricaturas de animais e pessoas. Além de ser um ataque ao sentido da visão, é também uma afronta ao sentido da beleza.

Os brinquedos ou materiais usados pelas crianças devem ter cores claras, nítidas e se possível sem tonalidades mistas.

Os brinquedos de madeira de preferência devem ser na sua cor natural e, quando pintados, sua cor deve ser firme, de tinta não tóxica e que possam ser laváveis.

 

A PERCEPÇÃO DA FORMA

Em relação ao tamanho, o brinquedo deve caber na mão da criança.

A criança deve poder segurar o brinquedo com firmeza.

Pontas e quinas devem ser arredondadas.

A pessoa, coisa ou animal que o brinquedo representa deve ser facilmente reconhecível.

Detalhes em demasia confundem e não permitem que a fantasia da criança atue.

Deve-se evitar brinquedos com formas humanas irreais e animais com várias cabeças. Os pais devem procurar usar o bom senso.

 

O TAMANHO

O tamanho do brinquedo deve ser proporcional ao tamanho da criança. As bonecas devem caber em seus braços pois representa a(o) filha(o). Não tem sentido a boneca ser maior do que a criança possa carregar nos braços.

Os blocos de madeira devem ser maiores para as crianças pequenas, para facilitar o manuseio. Para as crianças maiores cuja coordenação fina já está mais desenvolvida já podem ter tamanhos menores. Devendo evitar peças pequenas que podem ser engolidas pelas crianças menores.

 

A PERCEPÇÃO AUDITIVA

Os sons necessitam ser suaves e melódicos. Dê preferência à voz humana e carinhosa.

Procure evitar os ruídos eletrônicos que destroem a sensibilidade auditiva, que podem causar, inclusive, a surdez.

Deve-se observar o ruído do vento, o som das ondas do mar, o canto dos pássaros, a voz dos animais, o som das sementes dentro das vagens, do balanceio dos galhos etc.

 

A PERCEPÇÃO TÁTIL

O tato deve ser educado principalmente pela roupa que a criança veste.

Roupas de algodão, lã ou até seda permitem que a pele respire, ao contrário dos tecidos sintéticos.

Os brinquedos também atuam no tato da criança. Os de plástico são muito frios, de matéria morta; já os de madeira são quentes, provém de matéria viva. Os de lã natural atuam também beneficamente assim como os de pano de algodão.

A sucata deve ser cuidadosamente escolhida pois a maioria não passa de lixo.

Para o sentido do tato é essencial que a criança tenha contato com os quatro elementos da natureza (ar, água, terra e fogo) através das brincadeiras com água, barro, areia; dos diferentes materiais dos brinquedos (madeira, bambu, cascas de cocos, cabaças, sementes, conchas, sisal, algodão, lã de carneiro, tecidos de algodão etc.) O elemento fogo aqui é compreendido pelo calor que o material fornece. Por exemplo, a madeira é mais quente que o plástico; o tecido de algodão é mais quente que o tecido sintético.

A facilidade em agarrar o brinquedo e o calor da superfície é importante para o desenvolvimento da percepção tátil. Também é necessário que a criança brinque no chão em contato com o calor do solo, se arrastando, rolando, pulando para sentir seu limite corporal através do sentido do tato.

Deve-se evitar brinquedos que não condizem com a realidade, como por exemplo bonecas que saem os braços, carros de plástico cuja capota se afunda e ferramentas que entortam.

 

A PERCEPÇÃO OLFATIVA

O olfato da criança deve ser educado com os cheiros naturais como o perfume das flores, o cheiro da comida, da terra molhada pela chuva etc.

Deve-se evitar cheiros fortes de material de limpeza e de essências que acabam por irritar a criança, deixando-a incomodada e inquieta.

 

A VERSATILIDADE

A criança deve descobrir por si só as várias possibilidades que o brinquedo oferece.

Dependendo da idade da criança, um brinquedo pode ter várias funções e usos.

A criança deve ter plena liberdade para usar sua imaginação enquanto brinca.

Quanto mais simples for o brinquedo, mais possibilidade terá para estimular a criança a inventar novas brincadeiras. Tocos de madeira são excelentes para esse fim.

A bola é o brinquedo primordial devido à sua forma redonda. Quanto mais a criança brinca com ela mais desenvolve seus sentidos. A bola estimula o tato, a coordenação motora, a visomotora, o equilíbrio, a noção espacial e temporal.

Os panos alimentam a fantasia da criança ao construir cabanas, capas, forrando o chão da casinha, embrulhando bonecas, fazendo o rio etc.

Um pedaço de pau pode ser um cavalo, uma espada, uma colher, uma faca, uma pá etc.

Caixas de madeira ou de papelão podem servir de armário, de casa, de mesa, pode ser um carro, um barco, um forno, uma cama etc.

Procure dar sempre um brinquedo que estimule uma ação como: empurrar, puxar, empilhar, enfileirar, encaixar, separar, comparar, agrupar etc.

O mesmo brinquedo pode já conter vários valores como o da sensação, da percepção e da função.

 

A DURABILIDADE

Um bom brinquedo deve durar bastante tempo; não guardando-o, mas sendo usado incansavelmente pela criança.

Quanto melhor a qualidade do brinquedo mais durável ele é.

Dependendo da fase da criança ela o usa de um modo diferente.

Evitar brinquedos que desmontam por inteiro quando as crianças ainda são pequenas pois elas devem primeiro vivenciar o todo para depois separar e juntar as partes.

Quebra cabeças não são adequados para crianças pequenas, salvo aqueles em que as peças são grandes e as figuras saem por inteiras e não partidas.

Os brinquedos devem facilitar a criança a imitar situações rotineiras.

 

CLASSIFICAÇÃO DOS BRINQUEDOS

Brinquedos de ocasião

São aqueles que a criança brinca algumas vezes, em determinadas fases de seu desenvolvimento e depois os deixa.

- Brinquedos encontrados na natureza: areia, terra, água, pedrinhas, sementes, troncos, galhos, folhas, bagas e flores.

- Brinquedos que a criança acha dentro de casa: cestos de papéis, gavetas da cozinha, do quarto, do escritório; panelas e tampas, colheres, latas, caixas, panos, que também são chamados brinquedos de todos os dias.

- Brinquedos confeccionados pelas mães e/ou pelos pais: máscaras, pipas, fantasias, recortes, dobraduras, casinhas feitas com caixas de fósforo ou de sapatos, carrinhos de tocos, cavalinhos de cabos de vassoura, bolas de meia, tricô ou crochê, bichinhos de tricô, pompons etc.

- Brinquedos duráveis: são aqueles que se tornam bens valiosos da criança ao longo dos anos: cubos de madeira, blocos de madeira, carrinhos de madeira, bichinhos de pelúcia, bonecas de pano, cavalinho de pau. Caminha e carrinho de boneca.

- Brinquedos mecânicos: são aqueles em que a própria criança os coloca em ação percebendo seu mecanismo: palhacinho que entra dentro do cone quando puxado pela vareta, boneco que faz pirueta apertando as duas varinhas, anõezinhos que martelam, bonequinho que desce a rampa dando cambalhotas, patinho que bate as asas quando puxado pela corda, burrinho que se mexe, caminhão que bascula.

 

LUGAR, TEMPO E DESCANSO PARA BRINCAR

A criança necessita de um canto só dela para brincar, onde poderá ficar algumas horas por dia, e onde seus brinquedos poderão ser guardados.

Sem uma razão urgente não se deve interromper uma criança que se encontra entretida na sua brincadeira. É desta forma que ela desenvolve a atenção e adquire concentração.

A criança muito pequena necessita ter sua mãe ou uma pessoa de seu convívio sempre por perto enquanto brinca, e também de poder brincar de vez em quando na sala ou noutras dependências da casa.

Como a criança aprende imitando, procure guardar os brinquedos junto com ela e criar o hábito de guardá-los sempre após brincar.

Um dos deveres que temos como adultos que cuidam de crianças é ter calma, paciência e tempo para observá-la e compreendê-la em suas necessidades e características peculiares.

 

SOBRE MATERIAIS DIDÁTICOS

Material didático é tudo o que traz informações e a primeira informação didática provém do próprio material de que é feito o brinquedo.

O melhor material ainda é aquele encontrado na natureza: madeira, folhas, vagens com sementes, cabaças, água, terra, areia, pedras, bambu, conchas, sisal etc.

O meio que rodeia a criança durante as horas do dia é material didático que informa, forma e serve para seu desenvolvimento físico, emocional, mental e espiritual.

Devemos proporcionar materiais que tragam um pouco de calor para a criança que se encontra hoje num mundo do plástico. Esses materiais poderiam ser, por exemplo: papelão, madeira, vime, tecido de algodão, bolas e bonecos recheados com lã natural, feltro etc.

 

CONSIDERAÇÕES

Os brinquedos prontos não dão margem à imaginação pois já estão prontos, definidos, limitados. Assim também é com a televisão que substitui essa atividade interna da criança ao brincar.

O mundo moderno quer dar tudo pronto, definido e acabado para a criança porque a encara como um adulto em miniatura. Lembremos que criança não é adulto.

Na idade entre dois e três anos a criança destrói antes de construir do mesmo modo que compreende antes de falar. Nessa fase também não se detém por muito tempo numa mesma brincadeira e não empresta nem divide seus brinquedos e, embora brinque ao lado de outras crianças, ainda não interage totalmente com elas.

Nos primeiros sete anos da criança, mais importante que os brinquedos são as brincadeiras com o corpo: no colo dos pais, serra-serra serrador, balançando na rede e no balanço, o gira-gira, o trepa-trepa, a bola grande, a corrida livre, brincadeira na água etc.

Evite brinquedos nocivos que induzem à violência como armas, carros de guerra, bonecos de guerra, e brinquedos eletrônicos que levam a criança à inércia e à apatia.

Diante de um brinquedo devemos fazer a pergunta: ele move internamente a criança e a faz agir sobre ele ou a criança é uma mera espectadora?

 

Fonte: Catálogo SPELENDER, Nijmegem, Suíça, 1970

 

Terapeuta Ocupacional, Pedagoga Waldorf
Pós-graduada em Antroposofia na Saúde pela UNISO
Professora no curso de fundamentação em pedagogia Waldorf
Orienta berçários, creches, maternais e jardins de infância
E-mail: pilarborba@gmail.com

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